Quando nossos ídolos são de barro





O silêncio preenche o quarto até que é rompido por um despertador que toca uma música agradável. Começa mais um dia. Rebeca se levanta para cuidar de sua higiene pessoal para, após uma hora de make e uma refeição apressada, ir para mais um dia de labuta. A caminho do trabalho, enquanto dirige, Rebeca olha pelo retrovisor e vê no espelho uma mulher falível. A cada esquina, sua falibilidade é acentuada. “Que homem bonito... Pena que é casado, mas... Ô lá em casa”. Mais um quarteirão. “Mal posso esperar pelas férias, não aguento mais aquela retardada. Quem dera matar não fosse pecado. Pior que ela é minha chefe”. Mas o caminho para o trabalho é longo. Por que não ouvir uma música? Rebeca espeta no seu som automotivo um pendrive cheio de músicas que baixou da internet. MP3 é uma benção. Que voz divina! Intercalando entre dirigir e ver o Facebook e o Instagram em cada sinal fechado, Rebeca acompanha sua cantora principal: Vejo, sinto, penso para o Teu louvor. Choro, canto, vivo para Ti, Senhor. Uma pequena pausa para postar no “Insta” uma foto do volante, com o logo da Audi, para ostentar: Isso vai me render uns 200 likes. Continua: És o dono dos meus dias. Por fim Rebeca chega ao trabalho e estaciona seu veículo, discriminado com um adesivo “100% Jesus”. Rebeca então abre seu escritório – Já rendeu 80 likes a foto. Vai passar de 250 – liga seu computador, abre um site de fuxico gospel e lá vem a bomba: Sua cantora preferida é viciada em maconha! Não pode ser!!! Sempre notei que ela não era tão crente assim. Aliás, ela nunca foi crente. Aquela vozinha nunca me enganou.
            Em alguma medida, somos todos Rebeca. Delegamos aos nossos “ídolos” a santidade que nós deveríamos buscar. Se eu pecar, Deus sabe que sou pó, mas se meu cantor preferido pecar, é porque nunca foi salvo. Eu sou pó, mas meus “ídolos” são de ouro, ou são de uma matéria tão imunda que merece ser lançada ao lago de fogo. Enxergamos muito rapidamente o pecado do outro, mas somos tardios em olhar no espelho e julgar cada um de nossos traços. Até falamos: Que miserável homem que sou. Logo em seguida, no entanto, ansiamos glória até por nossa suposta humildade. Temos orgulho da nossa modéstia. Buscamos grandeza quando reconhecemos a nossa pequenez. Passamos horas e horas conversando e meditando sobre um erro do outro, mas deixamos de dar atenção a uma centena de erros nossos. Cometemos, com isso, três erros: Primeiro, esquecemo-nos que não devemos levantar para nós ídolos, tampouco colocar quem quer seja sobre um pedestal, pois somos todos barros animados pelo fôlego dAquele que é verdadeiramente digno de nossa honra, glória e louvor. Segundo, esquecemo-nos que é medida de amor – o amor que é um imperativo para todo aquele que se diz cristão – o aconselhamento de todo aquele que procede em erro e está disposto a ser aconselhado e o acolhimento de todo aquele que peca e se arrepende. Por último, esquecemo-nos que deveríamos nos lamentar, chorar por cada pecado que é cometido, por quem quer que seja, pois todo pecado é um ato de rebeldia contra Aquele a quem dizemos amar acima de todas as coisas.
            Podemos servir-nos de pedras e matar, apedrejar a cantora que se descobriu ser de barro – que novidade, não? – ou podemos desejar e orar para que ela não peque mais. Talvez ela nunca tenha precisado tanto de apoio dos seus irmãos na fé quanto agora. A Igreja, afinal, é um clube de santarrões ou uma família de pessoas que se descobriram acometidas por uma doença cujo único remédio é o sangue de Cristo?
            Rebeca vai continuar sua vida, acordando todas as manhãs e tentando olhar o menos possível para o seu próprio rosto no reflexo do espelho, até que esteja maquiado o bastante para cobrir suas imperfeições. Hoje Rebeca vai trocar de ídolo. Vai retirar do altar a cantora drogada e procurar uma nova cantora ou banda para preencher o lugar deixado por aquela. Espera-se que as lágrimas coloquem abaixo a maquiagem de Rebeca, para, cedo ou tarde, ela descobrir que também têm falhas, mas que também todos os seus “ídolos” têm falhas. Espera-se que o altar do quarto de Rebeca fique “vazio”, com o mesmo “vazio” que ficou no túmulo dAquele que foi o único homem perfeito, e que este “vazio” seja preenchido pela esperança da segunda e definitiva vinda do Cordeiro de Deus que foi crucificado e ressuscitou, pois somente Ele, e não Rebeca, é digno de se sentar no imaculado Trono Branco para julgar os vivos e o mortos. Espera-se que Rebeca, ao invés de lançar, use as pedras, que utilizaria para matar a cantora, agora para escrever em sua própria parede a lista de seus próprios pecados e também o nome da cantora, para que se lembre todos os dias de orar pedindo perdão pelos próprios pecados, e orar pela cantora, pois ao contrário do que Rebeca pensava antes, a cantora não é melhor do que ela, mas, também, ao contrário do que Rebeca pensa agora, ela não é melhor do que a cantora. Somos todos barro. Somos todos pó. Somos todos carentes da misericórdia de Deus.


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